Foto: Reprodução (Rede Globo) |
A última viagem da corveta aconteceu em outubro de 1983. Sua missão era levar a carga mensal de suprimentos do Recife até o distante arquipélago de Fernando de Noronha. Quando estava quase chegando. O desastre. O navio bateu num rochedo na ponta sudoeste de Noronha.
O primeiro mergulho da nossa equipe vai ser justamente junto à rocha que deu fim à corveta Ipiranga. A água transparente do arquipélago cerca as rochas de azul. Um espetáculo belo e perigoso.
O paredão encravado no meio do mar muda a correnteza e cria uma turbulência esquisita. A gente tem que seguir o truque dos peixinhos: se deixar levar, tomando cuidado pra não ser jogado contra a pedra. Além da pancada, tem outro problema – o tapete alaranjado, que dá um colorido especial ao rochedo, queima que é uma beleza. Isto é coral de fogo. O nome já diz tudo.
A água clara de Noronha não esconde o cabeço. O problema é que a carta náutica daquela época, ou seja, o mapa no qual o pessoal da Marinha se baseia pra fazer suas navegações estava com erro. Um erro crucial.
Em busca de uma explicação pra esse erro, a equipe do programa foi à terra firme.
No mesmo local de onde, há 30 anos, viu a corveta afundar, o suboficial Augusto explica porque acha que o comandante da corveta foi traído pela carta náutica.
Mas há outra questão: por que a corveta se aproximou tanto da ilha? Em Noronha, se diz que o comandante mudou a rota para investigar uma pista histórica.
O comandante queria ver se achava um navio de Américo Vespúcio. Então saiu da rota. O primeiro registro de Fernando de Noronha é de 1503, quando Américo Vespúcio com sua frota passou por lá. E uma de suas naves afundou em Noronha.
Em vez de naufrágios históricos, o comandante encontrou pela frente o cabeço da sapata. E o navio dele acabou virando um naufrágio.
Descemos rapidamente na imensidão azul. A cerca de 20 metros de profundidade, a corveta já começa a se revelar. Imponente, de pé, como se nunca tivesse desistido de navegar. O canhão de proa só faz mira no azul infinito. Todo pintado pelos seres marinhos que se instalaram lá ao longo de 30 anos.
A corveta Ipiranga mede 56 metros. A largura, ou a “boca”, como dizem os marinheiros, é de quase dez metros.
Na lateral do casco, a gente vê um dos rasgos feitos pela pedra. Ernesto Paglia mede. São dois palmos, pouco mais de 40 centímetros. Mas, enterrados na areia, há buracos muito maiores. A equipe entrou na sala de comando, o passadiço. Está tudo lá. A bússola, o telégrafo, o rádio.
Hora de subir. É o momento mais perigoso. Vai levar quase o dobro do tempo que ficamos lá embaixo.
Uma barracuda, carnívora, curiosa, se aproxima. As águas-vivas dão um show de luz.
O mergulhador de apoio leva pra equipe garrafas com ar enriquecido com oxigênio. É um recurso para dar mais segurança e acelerar a descompressão. Mesmo assim, a subida é devagar.
A equipe volta ao porto de Santo Antonio, em Fernando de Noronha. O mesmo lugar onde, naquela manhã de outubro de 1983, a corveta Ipiranga era ansiosamente aguardada por dezenas de moradores. Entre eles, o jovem Jorjão. Agora, nosso experiente comandante.
A notícia do acidente chegou ao porto levada por um pescador, o Bita. Que hoje está a bordo conosco. Marenga, outro pescador “da antiga”, também estava no porto à espera da corveta que não chegava.
Primeiro, o comandante da corveta pediu a ajuda do Marenga e de outros mergulhadores da ilha para tentar tapar os buracos e eles ficaram naquela luta pra poder tirar a água de dentro da embarcação, mas já era muita água.
Não deu certo. E, no desespero, uma nova ordem: encalhar a corveta pra evitar o naufrágio.
A praia da Conceição é provavelmente a praia mais tranquila próximo do ponto onde a corveta bateu. A ideia era tentar encalhar ela, ver se dava pra ajeitar ela e levar pra outro ponto.
Com o casco rasgado, o hélice quebrado, os painéis em curto e só um motor funcionando, a corveta Ipiranga ziguezagueava sem controle. Afundou. E neste lugar, mais uma vez, a equipe do Globo Mar amarrou o barco para mergulhar.
A programação de mergulho na corveta inclui entrar no naufrágio e isso é algo que no mergulho técnico é conhecido como penetração. Mas para isso é preciso planejar tudo direitinho, justamente pra ninguém se enroscar, ninguém se perder. É um labirinto, um labirinto enferrujado, dentro d’água, a 60 metros de profundidade.
No dia seguinte, mudança na rotina. A equipe deixou o porto quando os outros barcos já estavam de volta.
É a hora do por do sol. A equipe está exatamente esperando cair a noite para fazer um mergulho noturno. É um mergulho razoavelmente complicado durante o dia, à noite exige um pouco mais de atenção. Atenção. E muito mais planejamento.
À noite, o olhar se limita ao facho das lanternas. E a imaginação se encarrega de ampliar o foco. A sensação é de entrar num navio fantasma. A vida noturna é agitada no fundo do mar.
O coral ‘desabrocha’, para capturar alimentos com os pólipos, esses cílios, que se abrem só no escuro. E vira prato cheio para os peixes que ficam acordados para devorar essa turma que só sai de noite.
Essa é a história da corveta Ipiranga V-17: um desastre, uma infelicidade que se transformou na alegria dos mergulhadores. E que agora todos torcem para não perder de novo.
Fonte: Globo Mar
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